DENNIS RADÜNZ
Curta metragem de Dennis Radünz e Fábio Brüggemann - abril-outubro, 2016.
EXIBIÇÕES DO CURTA
"ILHA DO CARVÃO"
4o. FESTIVAL DE CINEMA DE TRÊS PASSOS
8 de novembro de 2018, às 14 h
no Cine Globo, Três Passos, Rio Grande do Sul
FESTIVAL TUCUMÁN CINE - FTC 17
12 de outubro de 2017, às 20 h
[Muestra Florianopolis Audiovisual Mercosur],
no Cinear Sala Orestes Caviglia,
San Martin, 251, San Miguel de Tucumán, Argentina
FESTIVAL DE CINE AL AIRE LIBRE
DE ENCARNACIÓN
29 de setembro de 2017, às 20 h
[Bloque del Florianopolis Audiovisual Mercosur]
no Replica de la Estación del Ferrocarril,
Avenida Costanera, Encarnación, Paraguay
AUDIÊNCIA PÚBLICA
SOBRE PATRIMÔNIO CULTURAL
15 de agosto de 2017, às 18 h,
na Assembleia Legislativa de Santa Catarina,
Plenarinho Deputado Paulo Stuart Wright
FAM DE TODOS - 21o. FAM (Festival Audiovisual do Mercosul - Florianópolis)
21 de junho de 2017, às 19 h, no Auditório Garapuvu
(Centro de Cultura e Eventos da UFSC).
Selecionado para a Sessão Itapema - Preferência
do Público, dia 22 de junho, como um dos curtas
mais votados na Mostra Curtas Catarinenses
na imprensa
Carlos Damião
Notícias do Dia. Florianópolis, 25 de novembro de 2016.
CRÔNICA DA ILHA DESAPARECIDA
Como eco a todas as perdas de 2016, dos direitos civis aos avanços sociais, o poeta Dennis Radünz lança “Ossama: último livro” (Letras Contemporâneas / Editora da Casa) no dia 30 de novembro, quarta, às 19 horas, no Palácio Cruz e Sousa. Ossama é um brasileirismo que significa “monte de ossos” e Radünz também fala de desaparição em “Ilha do Carvão”. Situada em plena Baía Sul, a pequena Ilha do Carvão “sofreu terras”, “contraiu cidade” e restou apenas no cartão-postal porque mesmo a memória dos florianopolitanos a apagou.
Com direção e edição de Fábio Brüggemann, o curta “Ilha do Carvão” será exibido no evento. No filme, Fábio manipula com maestria imagens de arquivo, enquanto Dennis lê “em off” a própria crônica e, como ator, revê a “desaparição” do alto do Parque da Luz.
Detalhe: é a segunda vez que Dennis atua sob a direção de Fábio. A primeira foi em 1998 no longa “O sanduíche frio está fora de foco”, fábula metalinguística de Brüggemann em que Radünz, o protagonista, é um cineasta “flaubertiano” à procura de locações na Ilha.
Paulo Clóvis Schmitz
Notícias do Dia. Florianópolis, 5 de agosto de 2017.
ILHA DO CARVÃO: a história da ilha que serviu
de base para a Ponte Colombo Salles
crônica
ILHA DO CARVÃO
Nunca descobri um Novo Mundo. Não povoei desterros. Nunca pisei uma ilha nova, desperta de um sono antigo da geografia. O que ficou por descobrir – se estima – repousa fundo no oceano, ou levita, na via láctea, além do alcance das cartas náuticas. Mas descobri como chegar, andando no descentro, ao lugar exato de uma desaparição. Cheguei sem procurar. Foi pelo espelho do cartão-postal que atravessei os dias velhos e, ao final, cheguei à Ilha do Carvão, a terra de suposição no mar estreito da Baía Sul.
Ela era a meseta de pedra que surgia na linha de água, no fundo das fotografias, a meio mundo entre a ponte Hercílio Luz e os estaleiros da Hoepcke. Usavam-na para armazenar, no Castelo térreo, as cargas negras, combustíveis e carbonárias. Usavam-na para abastecer, no mar, o vapor dos navios e resguardar de incêndios o cais Rita Maria.
Chamavam-na, entre dentes, de ilha dos ratos. Era a ilha de despensa. Mas quem a visse distante – desde a Ilha das Vinhas ou desde a orla do Mercado Público – adivinharia as suas coordenadas: ela ficava entre dois esquecimentos. Exatamente. Foi uma utopia tímida, ela, ilha-carvoeira tomada de imatéria.
Não consigo imaginá-la fora da fotografia, mas quando eu cruzo os lapsos de memória da cidade velha – o pedestal sem a coluna-monumento à Guerra do Paraguai, o Miramar sem-teto ou os pedestais sem busto de imortal na Praça XV –, quase alcanço o resto do fantasma da ínsula do Carvão. E dizem que o ectoplasma de suas pedras dorme no pão dormido dos mendigos de domingo da Rua Anita Garibaldi ou nas moradas dos andarilhos na calçada do Museu Victor Meirelles.
Imagino que ela se consumiu por dentro, no lenhoso do seu corpo, como brasa, e se acabou nas cinzas do rescaldo, perdendo-se na combustão interna da Ilha de Santa Catarina, essa que se apossou do seu terreno diminuto e aplainou a maré alta, costurou artérias e anéis viários e edificou um novo exílio no sem-vida dos aterros. Na ruína de Burle Marx. Na sobrevida da sua linha-de-céu confusa.
Dizem que foi pisada pelo pilar da ponte Colombo Salles. Outros dizem que ela se enterrou no centro do lago das bandeiras, no vazio defronte ao Terminal Rita Maria. Entrou, aos poucos, na área sombrosa da amnésia. Sofreu terras. Contraiu cidade.
Devo dizer: não tive ilha como língua materna – sou do rio e falo foz, idioma de água doce que traduzo para o sal –, mas compreendo, no silêncio dos satélites, o sinal de s.o.s. que outra ilha, a do Guará Grande, envia para o último dos urbanistas. Ela teme o avanço da Ponta do Coral e sua hipótese de hotel e de tentáculo de terra que, no final, a encubra bem no meio da baía-morte. Mas são apenas as variáveis do mundo do capital. Não tenho profecias e meus olhos se apaziguam com a ilhota, ainda viva, no mar calmo e preto e branco do cartão-postal.
“Fotografia é o espelho que lembra”, escreveu o anônimo citado por Benjamim, numa página do livro “Passagens”. O espelho, mesmo vazio, acostumou-se a recordar-nos. Ao contrário, o espelho d’água da baía esqueceu a Ilha do Carvão, mas o cartão que a recorda, ainda assim, leva a assinatura de Colombo (a Foto Postal Colombo que vendia a sua imagem). Remete ao outro mundo do que foi, mas não é mais, e continua sendo no arquivo, ou no terreno da história oral.
O novo mundo da era dos recobrimentos.
Terra de suposição na boca do Estreito, a Ilha do Carvão se esqueceu no lado opaco do espelho. É nessa superfície cinza-chumbo que ela se revela, escondida, e me desperta a novos sonhos de geografia.
Texto publicado na revista "Subtrópicos" # 3 (Florianópolis,
dezembro de 2013), com o título "Carvão atrás do espelho".
Um texto da série:
88.010-500 / crônicas
do mundo extrafísico
Devo dizer que escrevi essa crônica sobre a desaparição da ilha em 18 de novembro de 2013 e a copiei, manuscrevendo-a dez vezes em dez cartas, à velocidade de meia carta por hora? Devo dizer que essa caligrafia lenta me causou calos de caneta esferográfica no dedo médio e no indicador? E dizer que desenhei cada letra em azul sobre a régua até que os vocábulos e o escrito inteiro se tornassem desconhecidos?
Enderecei. Expedi. Extraviei.
A crônica do mundo extrafísico é somente uma crônica do mundo extrafísico. Nessa era do recobrimento, um endereço não é destino, é um lugar de expedição.